Como dói. Retratar a dor dos outros dói. É inevitável. Numa tragédia monstruosa nem se fala. Duas numa mesma pauta é pra aniquilar.
Achei estas fotos remexendo o arquivo atrás de imagens pro flickr e vi que ainda não as tinha tocado. Elas estavam lá, guardadas num cantinho do computador, talvez pelo medo inconsciente de sofrer de novo. Vou contar um pouco a estória.
Ela vivia com o marido violento com o qual não queria mais viver. Tinha uma filha, linda, acho que uns seis anos, não lembro mais dos dados precisos. Brigavam, ou melhor, ele brigava. Era ciumento doentio. Ela queria se separar, não aguentava mais sofrer. Inconformado, numa noite, ameaçou. Ela ficou bem quieta deitada com a filha, pensando um jeito de acabar com aquele pesadelo. Ouvia só as agonias da mãe, quem ele tentava matar a pauladas. Seu pai já havia sido morto momentos antes. Ela temia pela filha. Mas não tinha como fugir nem como lutar, ele era forte demais e a casa era uma dessas do Interior do Estado, de janelas altas do chão. Mas ela arriscou. Disse que precisava ir ao banheiro, fora da casa. Fugiu. Foi atrás de socorro. Quando voltou, se desesperou. Eram chamas. As que queimavam o corpo da sua filha, pequenina, seus pais e seu executor: o ex-marido. Ela sofreu para irmos até o local. Doía em nós ver o sofrimento dela. Era só um pedaço. O mais duro, mas um pedaço.
Sem ter onde morar foi viver com a irmã, casada. Casada com o pai de seu ex-marido. O pai do assassino. Ela vivia ali, não tinha pra onde ir e parecia que nem se importava. Estava anestesiada. Dor demais. Pra nós era insuportável a situação. Ela nem se dava conta. O irmão dela também se incomodava e estava dando um jeito. Estava arrumando uma casinha para que todos vivessem juntos, mesmo ali, próximo a tragédia, no mesmo terreno, mas todos juntos. Buscando uma paz que parecia não mais possível.
A outra tragédia também é cruel. Uma outra cidade, outra dor muito forte. O pai perdeu o casal de filhos. Mortos pela mãe, que se suicidou e matou também o namorado. Quatro mortes. Na casa que ele tinha deixado a ela para que vivessem bem. Ele não sabia explicar porque tinha acontecido e nós não conseguíamos entender de onde ele tirava as forças para ter se mudado para sua ex-casa, a mesma das tragédias. Tudo estava no lugar, os quartos das crianças. Ele se lembrava delas. E mostrou-nos onde aconteceu. Doía, era inexplicável. A sensação de peso sobre os ombros era exarcebado. Eu me arrepiei e pedi com licença. Esperei no lado de fora. Pra mim já bastava.
A dor dos outros dói. Já tinha falado isso.
Um comentário:
Acompanho o blog há algum tempo, esse foi o melhor post que eu li até agora.
Tá do caralho.
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