Quatro da manhã e o vibracall do celular teimava em fazer um barulho ensurdecedor sobre o criado-mudo para aquele nível de sono que eu me encontrava. Começava a gincana que me levaria a mais um Gre-Nal. Meia hora depois, já banhado, saio de casa, de táxi chego uns 20 minutos depois na rodoviária de Porto Alegre. O busum saía às 5h15. Eu, a câmera e mais umas lentes e outra bolsa com uma meia dúzia de vestes limpas. O primeiro trecho até Caxias dura umas duas horas e tirando o desconforto do aperto fruto da soma da falta de espaço do banco e da sobra de espaço do passageiro ao lado, o resto até que não foi traumático. O problema começou aí, em Cassias, nesta segunda parada de um pinga-pinga que se revelou a mim só quando desconfiei e perguntei ao motorista reserva se a linha era semidireta. E segunda porque o pinga já tinha passado na rodoviária de São Leopoldo. Mas voltando ao que começou a dar trauma.
Na serra - na segunda parada, não se percam - o passageiro ao lado trocou. E hoje, exatamente hoje, a Chica, uma rotweiller que cuida da casa da minha mãe, em São Leopoldo - local da primeira parada, não se percam - faz uma semana que pariu onze rotweillerzinhos. E ela, ontem, quando a vi, estava mais cheirosa que meu novo colega de assentos bipartidos e reduzidos do pinga. Começava o problema. Pinga com ar meia-boca, janelas que não abrem e aquele budum. Ah, tava esquecendo. Um outro trauma havia começado antes, mas só senti ele horas depois. Explico. No outro banco, depois do corredor, um colorado ia ao jogo. Poliglota, arrotava que sabia quatro línguas. Inglês, italiano, coreano e espanhol. Fruto de cursinhos que vinha fazendo na Capital. Às vezes os idiomas trocavam, o inglês dava lugar ao francês e o coreano chegou a ser trocado pelo japonês. Mas ele nunca se perdia no número: eram sempre quatro os cursos de línguas que fazia. E falava, falava, ia narrando a viagem. Agora estamos entrando em Canoas. Aqui é Esteio. Sapucaia ele não notou. Mas São Leopoldo não passou despercebido. Não aguentei e fui aos sambas do ipod.
Voltamos ao cheiroso. Na terceira parada para mais dez minutos de banheiro e estica pernas, cheguei de novo no motorista: "vem cá tchê, que horas esse ônibus chega em Erechim?". "Às 15h30 meu chapa, se tudo der certo na estrada de chão". Jurei que ele era bem humorado. Mas ele era na verdade um realista. Voltamos ao ônibus, mais muitos quilômetros, budum pra cá, um bate-papo poliglota pra lá e muitas e muitas paradas no acostamento para sobe e desce. Até Vacaria. Ali o cheiroso desceu já perfumado. É que momentos antes acho que o próprio cheiro dele o irritou e, por cima da camisa mesmo, assim sentado no banco bipartido e espremido entre o corredor e eu, dois jatos de desodorante desses de apertar espirraram em cada axila. Masahhhhh, o budum se perfumou e, desceu. Se foi. A bolsa com as lentes reservas que eu carregava tomou seu lugar, decidi que ia me tornar o antipático do primeiro banco daquele ônibus. Não durou muito. O motorista reserva saiu da cabine e pediu o lugar ocupado pela minha cansada bolsa de equipamentos e eu mais uma vez estava acompanhado na viagem rumo ao Gre-Nal.
Bom com ele pelo menos deu pra conversar um pouco. E foi bom. Soube que era verdade a estória da estrada de chão, teríamos que encarar 50 cáeme de saibro e pó vermelho. Depois é claro de uma baldeação. Ah, tava esquecendo de outro lance antes da troca do ônibus. Foram muitos e com pouco espaço entre um e outro acontecimento, faltou tempo para digerí-los até agora a ponto de lembrar de todos. Antes da baldeação, com o outro ônibus, sei lá em qual cidade, um dos motoristas atravessa o ônibus na contramão, para no acostamento de quem vem e o reserva dá o recado: "Passageiros, a piazada ali vai comprar umas maçãs, se alguém quiser também pode descer". Além disso também teve passagem por uma área indígena e muito, muito mais que não devo estar lembrando. E depois de várias outras cidades visitadas, ônibus trocado, estrada de chão vencida com o novo ônibus velho, sem ar e ventarolas abertas, muito vento e muito pó, mas sem budum, seguimos. Mais umas duas horas e meia a mais e pronto. Enfim, Erechim. 15h37min. Alguém que subtraia e diga aí quando deu, me faltou coragem de fazer a matemática. Uma idinha ao hotel, um banhinho rápido, largar os trapos e pegar o laptop ao qual escrevo e ir pro estádio. Ao jogo torcendo ter mais sorte.
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Há uma semana
3 comentários:
não acreditei em nada. inventou TUDO.
Hahaha...verdade ou não, muito boa a história. Ri horrores...
Coitado de ti, Marenco. Mas eu gosto do interior tbm por estas coisas: uma história a cada novo km.
Bju
Tudo verdade gurias! Nem aumentado está. E só rindo mesmo pra não chorar!
Abs
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