22 fevereiro 2010

Por Ricardo Chaves



Com a morte do soldado Ismailov, último ator da cena (imortalizada pelo fotógrafo Yevgeny Khaldei) em que uma bandeira soviética tremula sobre o Reichstag proclamando a queda de Berlim e decretando a derrota dos nazistas na Segunda Guerra, volta a velha discussão sobre verdades e mentiras na fotografia.

Fotografia é um tipo de comunicação tão extraordinário que algumas imagens, possuidoras de magnífica forma e consistente conteúdo, acabam sacralizadas pelo tempo, adquirindo status de ícones de uma época e de um fato. Tudo que é consagrado e célebre torna-se, simultaneamente, alvo de inconformados críticos e convictos iconoclastas. É natural, e até saudável, que seja assim.

Com a famosa foto de Khaldei não é diferente. Cada vez que ela aparece ou é citada, lá vem o esquadrão de detratores sempre dedicados à inútil tarefa de combater mitos. Munidos de informações, tão precisas quanto irrelevantes, contam detalhadamente a história da foto sem levar em conta que se trata, tão somente, de uma foto histórica.

Análises mais serenas levam, inevitavelmente, à conclusão que, na grande maioria das vezes, são as circunstâncias que estabelecem o roteiro e escalam os protagonistas que estarão, ou não, à altura de suas responsabilidades. O isolamento, o mistério, a falta de acesso, a ignorância, podem ajudar a consolidar equívocos. Na atual era da informação on line, isso tudo está mais longe, pelo menos para quem estiver disposto e ligado. O que aconteceu no passado deve ser visto naquele contexto. Tudo está diferente. Agora, numa inundação de informações visuais e comunicação imediata, nada se destaca. Temos que ser mais espertos. Quase tudo está à mostra e nada aparece. A velha e única foto do nosso bisavô é muito mais importante do que as centenas de fotos que tiram da gente toda hora. Melhor usar nosso rigor para examinar o que se faz hoje.

Para começar, é bom atribuir à fotografia o que ela realmente é (e sempre foi): um misto de realidade e ficção. Se a foto no Reichstag foi feita dois dias depois, se a bandeira foi levada pelo fotógrafo, isso tudo, no momento, pouco importa. Temos que entender a fotografia desse jeito e ela é tão fantástica que, devido ao seu vínculo com o real, mesmo quando “armada”, ou feita sob encomenda, contém grande teor explosivo e poder revelador. Os dois relógios (um em cada braço, provavelmente fruto de saques) que o herói, agora morto, Ismailov ostentava na foto original, posteriormente retocada, falam tanto sobre a guerra quanto o cenário de destruição que se vê ao fundo. Fotografar, editar, publicar é estabelecer uma parceria, o fotógrafo entra com uma parte e o espectador com outra.

O jornalista mais cínico é capaz de afirmar que, no caso em que a versão esteja mais interessante que os fatos, melhor que se publique a versão. Já o poeta, mais honesto e romântico, lembrou: a mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer…

E aí? As coisas são mais complicadas do que parecem, né?

5 comentários:

Anônimo disse...

muito bom o blog e otimo texto.

parabens pelo trabalho

Anônimo disse...

muito bom o blog e otimo texto.

parabens pelo trabalho

Anônimo disse...

otimo texto e blog
parabens

Unknown disse...

Meu Pai tinha um livro com várias fotografias da segunda guerra , aquelas fotografias me fascinam até hoje, muitas tem um teor forte, um contexto único retrata a loucura humana absurda ...
gpsteo muito do seu texto é laborioso como todo seu trabalho fotografico
concordo com suas opinião !
um abraço amigo !

fotojornalista | Porto Alegre | RS disse...

Olá amigos, só um ( ). Este texto acima não é meu. Ele foi escrito por Ricardo Chaves, editor de fotografia de ZH.
Abraços e obrigado pelos comentários.
Marenco